(Ficamos sem internet lá por dias. Mas antes tarde do que nunca!)
Outro dia, no orfanato, conheci outra Júlia. Essa devia ter uns 3, 4 anos. Lembrei de um dia em que alguém contou que tinha brincado muito com ela, mas nada a fazia sorrir. Deu um leve sorriso na hora de ir embora, apenas. Fiquei com ela no colo, deitei sua coluninha nas minhas pernas, de modo que olhava para mim, com o céu ao fundo. Tentei conversar mas nada respondia, só olhava. Perguntei a uma das mulheres se ela falava. Disse que sim, mas nem sempre. Descobri também que era HIV positivo. Depois de muito tempo, após um barulho no céu, ouvi quase um sussuro dizendo “avião”. Oh! Pensei: e nao é que ela fala? Posteriormente falou uma coisa ou outra. Fiz cócegas em sua barriguinha e consegui alguns sorrisos. Fiquei muito honrada com seu comportamento receptivo. Na hora de ir embora, fui colocá-la no chão, pois nessa hora estava em pé com ela no colo. Quando suas meinhas tocaram o chão, imediatamente abriu a boca a chorar. Assustei com a reação, a peguei de volta e abracei apertadinho, como minha mãe faz com crianças. Não parou de chorar, mas tive que entregá-la e fui embora. E essa foi a primeira vez que chorei, desde que cheguei. Conquistar o coração de alguém “difícil” tem um gostinho especial. Fiquei feliz por ter se sentido bem comigo. Triste, entretanto, porque não podia fazer mais nada por ela. Uma menininha muito doce, de trços delicados, que perdeu a mãe. Mas tem um pai que a ama. Está ali para se tratar, como a irmãzinha Telma – que também tem tuberculose -, e seu pai não tem condições de cuidar de sua saúde. Disseram que quando estiver maior, mais forte, vai voltar pra casa.
Fomos a um orfanato chamado Kedesh.
Parecia um sítio. Construções simples, cães, galinnha e pintinhos.
Em uma das construções, no segundo andar, uma caixa de som entoava todo o CD do The Cramberries.
Outro dia fomos em um dessas vilas, bem longe, e lá ouvia uma música alta. Achei estranho. Descobri que tem uma espécie de cinema lá, uma casa bem simples de bambu e palha, dentro um projetor. Mas essa hora tocava música eletrônica. Vê se pode? Quase uma trance. Nesse dia almoçamos na rua, literalmente.
Brandon aproveitou para tirar um cochilo.
Na hora do almoço preparamos pães com manteiga de amendoim e geléia para eles. Além disso, haviam preparado feijão e massa. É literalmente uma massa, feita de farinha de trigo e água. Fazem bolinhas com as mãos e molham no feijão. Após o almoço, nos levaram a um mercado na rua comprar chinelos com bandeirinhas de Moçambique. Vimos nos pés deles e quisemos também. Na volta brincaram que eram nossos namorados e quiseram tirar foto. nos colocamos em duplinhas, segundo a brincadeira, e o que estava do meu lado pegou minha mãe e entrelaçõu os dedos. Há! Engraçadinho. Tem uma foto para provar. Quando eu descobrir quem tirou, coloco aqui. Já no fim do nosso tempo ali fomos levados de volta à sala. Sem luz elétrica, a luz de fim de tarde que estrava pelas duas janelas e porta era o que iluminava o ambiente. Cantaram novamente e a maioria de nós se emocionou. Lindo. Se tratava de uma instituição com orientação protestante e o diretor, um senhor com terno azul, pediu que dois meni
nos e duas meninas compartilhassem seus sentimentos sobre Deus, sobre sua vida no orfanato e sobre nossa presença ali. Um belo momento. Depois, Sr. Domingos pediu que alguns de nós falássemos a eles. Mal consegui começar, já falava engasgado, com lágrimas nos olhos. Falei que eram meninas e meninos lindos e inteligentes. Disse que o que eu mais queria deixar como mensagem era que NUNCA deveriam aceitar que alguém lhes dissesse que não eram capazes de realizar algo. Que eram capazes de muito, se estabelecessem metas e trabalhassem duro para conseguir. Um dos garotos, mais cedo, havia me perguntado o que era preciso para fazer faculdade no Brasil, seu sonho. Fiquei grata por ter tido a oportunidade de estudar, pela minha casa e família.
Em breve, as considerações finais.