Skip to main content

Por décadas, assistimos Hollywood promover o american way of life globalmente, atraindo investimentos e turismo para os Estados Unidos. Hoje, vemos acontecer a onda coreana (Hallyu), abrangendo K-dramas, K-pop e filmes como o fantástico Parasita, primeira obra em língua estrangeira a vencer essa barreira e levar o Oscar de Melhor Filme. Contudo, essa grande expansão cultural não é espontânea: é resultado de um planejamento estratégico e de altos investimentos governamentais. Segundo a Korea Foundation, organização pública dedicada a promover a imagem e a compreensão da Coreia do Sul no cenário internacional, o número de fãs globais da hallyu ultrapassou 225 milhões em 2023, tendo aumentado 24 vezes em relação aos resultados da primeira pesquisa, realizada em 2012. Já de acordo com um relatório da Allied Market Research, somente o mercado de eventos de K-pop foi avaliado em 8,1 bilhões de dólares em 2021, com projeções de que chegará a 20 bilhões de dólares até 2031. Nesse contexto, observo Brasil e Portugal, países nos quais trabalho, e vejo que, embora haja esforços de internacionalização, há um imenso potencial subaproveitado tanto para a cena cultural em si como para o soft power

Parasita

Filme Parasita (2019)

Ouça o artigo completo:

Esse “poder brando”, conceito do cientista político Joseph Nye, define a capacidade de um país influenciar outros por meio da atração e persuasão, em contraste com o hard power, que envolve força política, militar e econômica. Elementos como língua, religião, ciência, esportes e cultura em geral compõem o soft power, que é orientador da diplomacia cultural. Veja só: a Coreia lançou este ano um visto exclusivo para fãs de K-Pop. Este é um claro exemplo do impacto da cultura no turismo, gerando bilhões em receita. Para Brasil e Portugal, trabalhar o soft power com um alcance como esse requer mais do que investimentos pontuais: é preciso uma estrutura sólida, pensada para o longo prazo, parcerias estratégicas e inovação.

A região da Ibero-América tem apostado em diversos programas para fomentar essa internacionalização. Um deles é o Ibermúsicas, focado em internacionalização musical através de diversas linhas de apoio, como criação, circulação, formação e mais. Ele registrou, desde 2012, aproximadamente 15.000 inscrições, tendo apoiado 1.500 projetos. Fernando Tomasenia, da Unidade Técnica, em depoimento para minha pesquisa sobre o tema (apoiada pelo mesmo programa), ressalta que o Ibermúsicas tem fortalecido a diplomacia cultural ao promover intercâmbios e parcerias entre 15 países da Ibero-América, alcançando impacto também fora da região. Entretanto, mesmo com muitos projetos apoiados, a estatística mostra que a demanda é muito maior.

Brasil e Portugal são países com tamanhos, populações, orçamentos e conjunturas políticas diferentes. O Brasil tem um sistema mais amplo e apoia projetos através de leis de incentivo à cultura e fundos de cultura nas esferas federal, estadual e municipal, além de programas de fundações e empresas, como Natura Musical, Itaú Rumos, Petrobrás e Caixa Cultural. Em Portugal, destacam-se os programas da DGArtes, Fundação Gulbenkian e Fundação GDA, sendo que esta última tem, além do programa de circulação, um focado em showcases internacionais. Mas, tomadas as proporções, considerando o tamanho do tecido cultural, nos dois casos são pontuais os programas voltados para a internacionalização. Dentre os que existem, em muitos casos demanda-se uma burocracia imensa e os prazos de resposta são tão longos que colocam em risco a viabilidade da proposta. Viagens exigem planejamento antecipado, bilhetes aéreos variam de preço diariamente. Um concurso que aceita o menor valor possível dos bilhetes na inscrição não cobrirá o custo meses depois, quando o resultado sair em outra realidade. 

A lógica e a logística por trás dos processos de internacionalização terão mais sucesso se forem pensadas em conjunto, com a participação de agentes culturais e apoiadores. Do contrário, artistas e produtores continuarão disputando entre si poucas oportunidades, engolidos pela burocracia e com um grande potencial artístico desperdiçado. Do outro lado, há órgãos e instituições com poucos funcionários, um mar de candidaturas para avaliar e estruturas jurídicas tão complexas que mudanças nos concursos demandam um tempo imenso. 

Edgard Telles Ribeiro, diplomata brasileiro, reforça que o Estado tem a função primordial de assegurar e facilitar o fluxo de trocas que as pessoas da sociedade espontaneamente estabelecem entre si. Ou seja, não há diplomacia cultural sem a cultura; e não há cultura sem os agentes culturais. Artistas, produtores, técnicos e todos os profissionais dessa cadeia precisam ter boas condições de trabalho, segurança, direitos. Um grande trabalho interno é necessário para preparar a internacionalização. 

Entretanto, é impossível que isso seja feito por completo antes de internacionalizar. Mas enquanto o caminho é percorrido, há boas possibilidades de ações que colaboram para a internacionalização artística e a construção de uma forte diplomacia cultural. Seleção pública de agentes culturais e financiamento para participação em feiras internacionais, acordos bilaterais e multilaterais para residências artísticas, ampliação dos apoios às viagens internacionais, incentivo ao aprendizado de línguas com foco em agentes culturais, inovações tecnológicas para conectar contratantes a agentes e artistas e apoios à criação artística com foco internacional são alguns dos muitos exemplos. 

Para que isso aconteça, é essencial promover mudanças estruturais que simplifiquem o acesso a financiamento cultural, associadas a uma estratégia clara de investimentos regulares em iniciativas que conectem as culturas de Brasil e Portugal ao cenário global. Países que apostam na cultura como direito do povo, como fonte de educação, motor da economia e da diplomacia cultural, demonstram isso no orçamento. É possível conciliar liberdade artística, uma cultura que sirva à comunidade e aos interesses do Estado (que, afinal, devem ser os interesses do povo). A colaboração entre governos, setor privado e sociedade civil é fundamental para preencher lacunas de financiamento e tornar o sistema mais eficiente e dinâmico. 

O exemplo coreano mostra que a cultura é uma expressão da identidade de um país e um caminho estratégico de conexão com o mundo. Se Brasil e Portugal desejam fortalecer seu soft power internacional e sua cultura internamente, é preciso pensá-la e priorizá-la de forma consistente no orçamento, fazendo com que seja percebida como parte vital da economia e da identidade nacionais. Essa é uma escolha estratégica, que traz um impacto duradouro interno e internacional. 

Isabella Bretz

Leave a Reply