Saímos de BH depois do almoço num domingo frio e de céu azul. Para nos auxiliar na pequena viagem, não um GPS: vários áudios separados por etapas do caminho, nos quais um sotaque do interior e um timbre macio descreviam cada cenário, curva, paisagem e possíveis enganações no percurso (e mesmo assim uma delas nos pegou).
Chegamos e fui logo surpreendida. Era um vilarejo de pouquíssimas casas, cercado pela beleza exuberante da Serra da Moeda e pelos delicados sons da natureza. Ao lado da casa, por travessura do destino, um palco comunitário. Fomos recebidos pela anfitriã com uma conversa ao lado do carro, que depois evoluiu para uma conversa na varanda da casa, que, por sua vez, evoluiu para uma conversa lá dentro. O propósito do encontro (uma composição conjunta) foi esquecido por um longo tempo. As forças daquela simplicidade mágica não nos deixariam seguir qualquer roteiro, é óbvio.
Vestimos os casacos para nos protegermos do vento frio e saímos para uma caminhada. Paramos nas ruínas de um casarão de por volta dos 1700 para ouvir uma aula de história. Fiquei impressionada com as paredes tão fortes, feitas de pedras perfeitamente encaixadas. Não poderia deixar de pensar em como aquilo simbolizava pra mim a importância de cada particularidade na construção de alguma coisa. Da mais pequenina até a maior, todas eram fundamentais na sustentação de tudo aquilo.
O sol nos tocava de forma gentil e o calor chegou. Somando a isso nossas mudanças de local, foi um põe-e-tira-casaco o tempo todo. Dali escutava-se um som de águas, vindo de uma cachoeira escondida na mata da frente. Fomos até lá, estudamos a melhor forma de chegar e contemplamos um pouco a beleza da água caindo e as formas que ela criou nas pedras ao longo de milhares de anos. Ali, ao som da pequena queda e cobertos pelas árvores, falamos sobre a nossa pequenez perante o tempo e do espaço.
Ao voltar, mais uma parada na varanda, porém agora já falávamos sobre música (e olha que é difícil um encontro de músicos demorar tanto pra chegar no assunto). Giancarlo nos apresentou um instrumento que nunca tinha visto antes e cada um o explorou um pouquinho. Os nobres e jovens rapazes entraram para dar início ao que fomos, de fato, fazer, enquanto eu e Sol prosseguimos na troca de experiências, sensações e sentimentos. O dia já ía embora, a montanha, feito um camaleão, já tinha mudado de cor conforme o sol se despedia e o poente recebia a noite, ainda mais fria, com muita generosidade.
Entramos e pensei: vamos trabalhar, então. Mas antes disso Sol preparou um chá quentinho que cheirava em toda a casa. Os ingredientes na panela eram muitos e mais pareciam uma pintura. No armário da cozinha, uma coleção de grãos, ervas, sementes, temperos e outras coisas mais, que já levaram mulheres à fogueira na inquisição e expedições megalomaníacas em tempos passados. Mas ali, em pequenos potinhos de vidro descansando na prateleira, pareciam tão normais e inofensivos. Pão-de-queijo feito por ela assava no forno. Fomos alertados de um pequeno acidente: inversão dos queijos, foi parmesão demais. Para ela, ele estava fadado ao fracasso, tinha desandado, traído suas expectativas, era a materialização da falha, um absurdo, sendo que só estava ali porque já tinha sido feito, mesmo. Algum tempo depois todos atestaram a perfeição do engano: estava deliciosamente gostoso!
Nos sentamos em círculo e trabalhamos na canção, tendo como base o handpan produzido pelo próprio Gian. Muitas ideias surgiram, cada um colaborou com suas impressões, sugestões e, aos poucos, peça a peça, o quebra-cabeça foi sendo montado. Matheus no bandolim, Rodrigo na gravação, Sol e eu nas vozes. Tarefa cumprida, fomos embora cansados e com o espírito cheio. Dormimos em Moeda (mas, é claro, nos perdemos no caminho até lá, pois num labirinto desse e sem as mesmas coordenadas não poderia dar em outra) e voltamos pra casa pela manhã, admirando nossa Minas Gerais pela janela e compartilhando nossos sentimentos acerca da experiência. Quando falamos sobre todas as coisas que fizemos até, de fato, começarmos a trabalhar, Rodrigo resumiu bem a situação: ali o tempo é outro.
Digo, sem receios, que não existe nada nesse mundo capaz de trazer vínculos tão profundos de forma tão rápida e ampla como a música. Não existe língua, não existem fronteiras. Uma vez que o som chegou lá dentro e foi bem recebido, está criado o elo. Que dádiva é poder ouvir! Que presente é adentrar o mundo do outro, pelos cheiros, pelas imagens, pelo tato, sabores e sons.
Conheçam o trabalho da Sol Bueno e do Giancarlo Borba! 🙂
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