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A mulher mais feliz do mundo

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O apartamento era lindíssimo, amplo, pé direito muito alto. A mobília, antiga. Cadeiras, sofás, poltronas, cômodas, mesas, tudo cheio de detalhes e estampas bonitas. Chique. Fotos por todo lado, sempre de familiares. Muitas em preto e branco, afinal de contas são muitos anos de histórias para contar. Depois de alguns minutos ali dentro chegou à porta com cabelos brancos cuidadosamente penteados, maquiagem, roupas elegantes e uma bengala, do alto dos seus 96 anos. Noventa-e-seis-anos. Vinha com passos lentos, um pouco tremidos, mas confiantes. Trazia um sorriso e leveza no rosto.

Mostrou orgulhosamente o apartamento numa região central de Lisboa e cada porta-retrato que ali repousava.  Abriu as portas de vidro da sala de jantar e nos mostrou a varanda com cadeiras brancas, uma brisa deliciosa e vista espetacular para o Rio Tejo. “Era dos meus sogros”, disse após eu elogiar a beleza do lugar. Ficou sabendo que eu cantava e disse que queria me ouvir. Nos levou até uma saleta onde tinha um piano antigo e razoavelmente desafinado. Toquei uma das poucas músicas que eu sei inteiras (The Hill – Marketa Irglova) e ela gostou bastante. Disse que era pianista, mas que há anos não tocava nada. Insistimos muito para que ela tocasse para nós, obviamente. Sentou-se e começou. As mãos já fracas não respondiam com tanta facilidade, os dedos apenas esbarravam em teclas que deveriam ser apertadas, mas as notas soaram muito bem. Os erros faziam da cena ainda mais bonita. Parou, disse que não conseguiria. Falamos que estava ótimo, incentivamos e ela recomeçou. Mudou de canção, mas por mais que se esforçasse os dedos não acompanhavam a mente rápida e muito saudável. “É a osteoporose”. E assim foi por três vezes, até se levantar dali ao som das palmas e “bravo’s!”.

Voltamos para a sala de jantar enquanto ela cantarolava, onde nos sentamos e ela nos contou um pouco da sua vida. Nasceu na Ilha de São Miguel, nos Açores. Conheceu o marido em um baile no clube local. Mas não conseguiu dançar com ele ali, pois tinha 19 pretendentes para dar atenção e seus passos de dança. Posteriormente casaram-se e tiveram 3 filhos. Tocava piano, desenhava, pintava. A música sempre fez parte da sua vida desde criança. “A casa estava sempre cheia de músicos”, contou. Viajou o mundo com o marido, estiveram no Brasil várias vezes. “Morreu há oito anos, com 86. Era um homem extraordinário, eeeeeextraordinário. Éramos muito apaixonados, ele não ligava para outras mulheres”. Eu escutava aquilo tudo com muita admiração e mil coisas passavam pela minha cabeça. No meio da conversa olhou pra mim e disse que me achava bonita, que não sabia por que eu ainda não era casada. Vixe, se eu fosse explicar pra ela… Haha! Acho que a sua vida amorosa dá uma melhor conversa do que a minha.

“Eu já quero ir lá pra cima!”. Rebatemos a afirmação imediatamente, dizendo que ainda era uma mulher bonita e cheia de vida. “Eu já fui muito ativa, fazia de tudo. Agora não. Agora estou cansada. Já quero ir.”. Eu me assustei, mas no fundo não achei tão absurdo, compreendi. Não falava como vítima, não tinha tristeza. Sua fala e sua expressão eram recheadas de leveza e luz. Não sei o motivo, mas essa pessoa me afetou de alguma forma. Durante a conversa soltou a mais bonita das frases, o mais profundo desejo do ser humano: “eu fui a mulher mais feliz do mundo.”. Tenho certeza que o pretérito não significa que ela não seja mais assim. Quer dizer apenas que seus tempos áureos já se foram, provavelmente com o seu grande amor. Conversamos um pouco mais e nos despedimos. Disse que gostou muito da minha mãe e de mim e pediu que eu voltasse para cantar mais.

Pensei no quanto a vida é diferente para as pessoas. Eu sinceramente acho que a ela é uma combinação de sorte e escolhas. Sim, todos nós estamos muito cientes de que as escolhas são fundamentais, a alma do negócio. Mas convenhamos, a sorte tem lá o seu lugar ao sol. Com certeza essa senhora teve muitas dificuldades na vida, das quais eu não faço ideia. Mas nasceu e cresceu em uma ilha paradisíaca, segura, se apaixonou profundamente e foi correspondida, casou-se, viajou o mundo, viveu uma vida confortável e longos anos ao lado do seu amor. Senti uma alegria genuína por ela, um alívio, a sensação de que há gente muito bem nesse mundo e que elas podem nos inspirar. Pensei em histórias não tão felizes que eu conheço e nas que eu não conheço também. Fechei os olhos (mesmo com eles ainda abertos) e pedi por sabedoria nas minhas escolhas e uma porção generosa de sorte na mochila. Além, claro, de ter me sentido grata por ter conhecido a mulher mais feliz do mundo.

Foto do google, meramente ilustrativa.

Uma história de alegria e gratidão

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Vamos imaginar um lugar. Assim, só imaginar. O céu azul clarinho, com algumas nuvens. O sol está lá, mas meio tímido. De vez em quando foge e aparece por cima uma manta cinza, fofinha. Eles brincam o tempo todo, saem e voltam, trocam de lugar. Raios de sol, chuvinha fina. As quatro estações em um dia só, assim fica interessante. As casas são majoritariamente brancas, com pinturas coloridas em torno das portas e janelas. Não há prédios. Muitas das ruas são contornadas por uma longa fileira de hortênsias. Hortênsias em toda parte! É tudo muito limpo e organizado. Há montanhas verdinhas e nas ruas que as sobem há túneis formados por árvores, mesas para pic-nic, parquinhos para as crianças. Quem quiser passar uma tarde agradável é só aparecer por lá. Se for pra namorar, então, magia garantida.

O que mais? Deixa eu pensar… Podemos dividir esse lugar em pequenas regiões. Em cada região, há um espaço no qual seus administradores trabalham. Lá também tem um auditório, um espaço cultural que a população pode utilizar para atividades de lazer, festas, música. Por falar em música, precisamos pensar em algo nesse sentido. Que tal uma filarmônica? Não, não… Uma filarmônica não, pois seria pouco. Uma filarmônica em cada região! Vai ser isso. Vários instrumentos, músicos de todas as idades. As crianças saem das escolas durante a tarde e passeiam na rua, em filas, grupos, umas até dançam sozinhas. Quem não dançava sozinho na infância? Uma pena perder esse belo hábito com a idade. Não há perigo nenhum nesse passeio, é um lugar seguro.

Pensei em um lugar para as pessoas usarem quando quiserem. Que seja público, bem cuidado, uma estrutura dessas que não dão pra ter em casa. Um lugar para festejar, que caiba muita gente! Gente dançando, cantando! Vai ser amplo, arejado e coberto de telhas, pra que haja proteção se o céu quiser desaguar um pouquinho na hora do “sim”. Porque é claro, penso ser um bom lugar pra casamentos também. Além disso, um jardim. Lindo, delicado. Um jardim público, aberto a quem quiser entrar. Ele não corre perigo porque as pessoas não ferem as flores, elas cuidam porque o espaço é delas.

Para trazer paz, o mar. Tranquilo, reconfortante, muito azul, por toda a parte. Pra diversificar, pedras. Pedras de todo jeito, de todos os tamanhos! Umas bem grandes, formando piscinas naturais. Outras bem pequeninas, como biscoitinhos. Pra ser um pouco mais bucólico, campos verdes, vacas, cabras. Mas preciso de algo grande, encantador, marcante. Alguma ideia? Não sei.

Um vulcão! É ambicioso, mas acho que fica bom. Pode ser um vulcão fora de atividade, pra não correr o risco de estragar tudo. Mas quero que seja uma experiência, não um lugar. Há uma abertura grande em cima, esverdeada. O espaço interno é grande, as “paredes” são manchadas, os tons de marrom e bege se combinam de forma perfeita. Uma música leve toca ao fundo. Tão bela e natural que parece vir da própria mente. Mas não, é tocada lá dentro, mesmo. Lá embaixo, um lago azul. Em sua superfície caem gotinhas d’água vindas do “teto”, “percussionando” as canções. Tic, tic, tic, tic…

Acho que poderíamos mandar alguém pra lá, um forasteiro para se encantar. Um arquiteto, pra admirar a cidade! Não… Um biólogo, pra se maravilhar com as belezas naturais! Também não. Pensando, pensando. Um cantor! Aliás, uma aprendiz de cantora! Vai combinar com os sentimentos que emanam dali. Pode haver um concerto com participação dos músicos locais, porque interculturalidade é uma coisa linda! E esses moços serão bem simpáticos e se esforçarão para aprender músicas novas. E vamos por dança também! Mas cantar depende da voz e das vias respiratórias, que são muito sensíveis e imprevisíveis. Vai que ela fica doente. É melhor escolher outra pessoa pra mandar. Pensando bem, dá pra ser a cantorinha mesmo. Ela vai ficar doente. E vai se preocupar. E no meio de tanto encanto vai ficar com medo de não conseguir, porque a responsabilidade é grande. Ela foi pra lá pra isso. Vai começar a piorar e mesmo com o maior dos esforços, a verdade é que não vai conseguir pensar positivo sempre. Vai ter vontade de chorar.

Mas vamos mandar essa mesmo, nesse lugar há pessoas espetaculares. E essas pessoas vão cuidar da tal menina. Vão passear com ela por essas ruas e praias e montanhas. Vão abraçá-la com seus cuidados. Vão enchê-la de palavras de encorajamento, faladas em sua língua mas sob um sotaque todo especial. Vão lhe contar as histórias das ruas, das festas, do povo. Vão cuidar da sua saúde e da sua confiança. Acho que podemos colocar a mãe dela lá também, para o processo ser mais fácil. E assim, tudo vai dar certo. Ela não vai melhorar 100%, mas há de cantar. E há de se apaixonar por aquele pedaço de terra no meio do oceano e por aquelas pessoas. E há de se lembrar de cada detalhe. Sempre. Será grata pelas surpresas da vida, pelos caminhos que tem cruzado. Pelo que os seus olhos têm visto, por ter suas palavras musicadas ouvidas tão longe. Vai voltar com sua mãe, irmã e cachorro.

Na confusão megalomaníaca dos seus pensamentos vai se lembrar de outras experiências fantásticas que já viveu. A menina será grata pelo coração cheio de gente, de línguas, de sotaques, de lembranças. Vai passar por muitas dificuldades – muitas mesmo -, vai ficar triste com situações, com pessoas e vai sentir esse mesmo coração machucado. Mas só num pedacinho. Ela vai ser pequena, mas vai ser cheia de amor. Muito, muito, muito amor. Sem fim.

E vai ter vontade de chorar de novo…

Porque é feliz.

—–

Um abraço carinhoso ao Ildeberto Rocha, Anabela Faria, a Câmara de Angra do Heroísmo, a todos da Rádio Voz dos Açores (Portugal), aos envolvidos no show e aos queridos açorianos que me fizeram companhia nesses dias. Estar na Ilha Terceira foi um presente na minha vida.

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Um bebê na vida de músico.

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O meu disco Saudade foi lançado no restinho de 2012, ali, quase no Natal, e desde então muita coisa mudou. Desisti do mestrado que eu queria e resolvi nascer no mundo da música. E, nessa mudança, tive que aprender tudo do zero. Nunca tinha usado um microfone de estúdio, não sabia nem a que distância ficar. Tive que tomar decisões sozinha que eu não esperava ter que tomar. Aluguei teatro no meu nome, contratei equipamento de som, fiz ingresso no meu computador, mandei imprimir e saí pra vender. Isso sem saber se o público seria suficiente. Algumas vezes foi, outras “nem tanto” – leia-se, menos dilma$ na conta. Contei com a ajuda preciosa da minha família, de alguns amigos muito queridos e de umas pessoas que me caíram do céu no caminho. Ouvi críticas, fiz outras tantas a mim mesma. Cometi erros bobos que causaram estragos desnecessários, pelo simples fato de não ter informação, de não saber, de esquecer em momentos de tensão. Mas aconteceu o mais importante: aprendi muito. Tenho crescido e me sinto bem com isso, apesar de às vezes me sentir muito pequena em face da infinidade de coisas que eu preciso melhorar.

 

É ainda pouco tempo para qualquer conclusão, mas já consigo destacar algumas impressões. Falta ainda MUITO para que os músicos sejam respeitados como trabalhadores. São frequentemente explorados (e isso não é uma indireta para ninguém com quem eu tenha trabalhado, pois não aceitaria tais condições), seja com cachês baixíssimos ou a imensidão de pessoas que acham (algumas têm certeza) que músico tem que tocar sempre de graça e que fazer o que gosta já é suficiente pra viver. São anos pra aprender, esforço, ensaios, muito investimento em instrumentos e equipamento, entre outras coisas que nem preciso citar. Sabe, nunca entendi isso. Há uma ideia amplamente difundida entre as pessoas segundo a qual trabalho digno é aquele das 8h às 18h; quanto mais corrida a vida mais admirável é o ser; quanto mais sofrimento, melhor. Quantos de vocês já participaram de uma conversa em que há competição de quem sofre mais?

– Nossa, tô numa correria que você nem imagina…

– E eu então? Trabalhar e fazer faculdade não é fácil.

– Tá reclamando à toa! E eu que tenho filho pra criar?

– Mas pelo menos você não está doente!

E por aí vai… No fim das contas vão-se embora arrastando no chão com sangue pingando dos olhos.

Por que essa necessidade de mostrar que sofre? Que a vida está dura e que a do outro é mais fácil? Cada um enfrenta as dificuldades que só ele sabe, cada um tem sua história. Achar que a vida de músico é fácil só porque tocar e cantar é prazeroso é uma ideia muito, muito distante da realidade. É trabalho duro como qualquer outro.

Além do que eu já citei, posso também dizer que há muitas situações em que o círculo é fechado. As leis de incentivo não são tão acessíveis quanto parecem ser, não há espaço pra muita gente e convencer que investir em cultura vale a pena segue sendo uma tarefa difícil. Outra dificuldade que percebi é uma das que considero mais importantes: a cabeça do povo. É muito raro hoje em dia alguém pegar (literalmente, tocar, encostar) num CD, abrir, ler o encarte e ouvir tudo o que está ali pela primeira vez. Um show inteiro de canções autorais é praticamente uma afronta! Tocar “as conhecidas” parece ser obrigação. Há de se considerar que tudo o que conhecemos chegou a nós numa primeira vez. A barreira do autoral é muito grande. As pessoas se fidelizam a artistas que gostam e não se abrem para o novo. Há também uma grande quantidade de pessoas que querem o que denominam “músicas felizes”. Quem já foi em algum dos meus shows ou ouviu o cd sabe que gosto também de músicas introspectivas. Essas melodias e letras podem até parecer mais tristes, mas nos fazem pensar, nos fazem sentir. Se limitar a ouvir músicas alegres é, para mim, uma grande bobagem. Diria até desperdício de vida. É medo de se explorar, medo dos próprios sentimentos. As animadíssimas também parecem ser preferência em detrimentos das mais delicadas. Alguns não têm mesmo é paciência pra isso. No fim das contas, é tudo uma questão de gosto.

Agora, sinceramente, das coisas que a gente escuta por aí, uma das mais absurdas é “para de cantar em inglês e canta em português”. Compreendo que muitos queiram que eu cante mais em português. Eu mesma quero. Tenho meus motivos para cantar muito em inglês, mas o engraçado da história é que eu, somente EU não posso cantar nessa língua. Porque, né… Os que me ‘mandam’ parar são os que cantam todas as mais pedidas da rádio e compartilham no facebook vários vídeos de músicas… em inglês! Há também aqueles que podem te ajudar com um estalar de dedos mas não o fazem. É ruim, mas isso nos força a buscar outras alternativas, exercitar a criatividade e desenvolver.  Eu percebi que há muitas pessoas tentando nos desanimar. Desanimar toda a gente, os cantores, os dançarinos, os pedreiros, os dentistas, os professores, os carteiros. Os motivos, desconheço. Fico triste em pensar que tantas pessoas desistem dos seus objetivos e sonhos porque ouviram algo que as desmereceram, as colocaram pra baixo. Sempre haverá quem não goste. Ninguém gosta de tudo, temos o direito de escolher. Por isso que uma das minhas músicas preferidas é essa.

 

                                                                   Com Daniel de la Zerda, que me apoiou e incentivou desde o início.

As dificuldades não servem para nada mais que não seja o crescimento. E depois de citar algumas que tenho encontrado, quero dizer que as recompensas e alegrias têm sido MUITO maiores. Eu ouvi pessoas dizerem que se identificaram tanto com algumas músicas que parecem terem sido escritas pra elas. Ouvi mães de bebês (isso, no plural) me contarem que suas crianças gostam de ouvir minhas músicas. Há honra maior que essa? Recebi o doce relato de uma pessoa que se emocionou em um dos shows e disse ter ido embora “pisando em nuvens”. Ouvi minhas músicas serem tocadas do outro lado do oceano. Vi pessoas cantarolando minhas melodias, escrevendo minhas letras – que agora já não são minhas, mas suas. Gente que me ouviu com o coração aberto, gente que foi tocada de alguma forma, gente que se conectou. É pra isso que eu faço o que eu faço. A música conecta de um jeito que nem consigo explicar. Conheci pessoas simplesmente fenomenais e que já deixaram marcas na minha trajetória. Troquei ideias e experiências com outros músicos que foram tão generosos comigo. Ah, a generosidade! Que coisa mais linda é cruzar o caminho dos generosos, que derramam sobre nós os seus sorrisos, seu olhar atencioso, suas palavras encorajadoras. Que dividem sua experiência, seu conhecimento, seu tempo. Que coisa linda é cruzar o caminho dos sinceros, que nos ajudam a melhorar a cada dia. Que maravilha incomparável é poder ter uma mãe e uma irmã que fazem as malas, se jogando no mundo com você. Mas isso fica para o próximo post!

Tal como um bebê vou dando os primeiros passos, explorando o território, conhecendo a linguagem. Coloco o dedo na tomada, bato a cabeça na quina, tropeço em mim mesma. É, às vezes machuca. Mas através das minhas músicas o meu olhar vai cruzando com os olhares de tantos desconhecidos, como os pequenos fazem por cima dos ombros de suas mães. E vou dando minhas gargalhadas despretensiosas por aí. 🙂

“Não sei se a vida é curta ou longa demais pra nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas…” Cora Coralina.

Making off do vídeo de “Conversation”. O vídeo foi feito através de financiamento coletivo, o que foi motivo de grande orgulho pra mim. Ter o incentivo e apoio material de tantas pessoas foi uma experiência incrível!

Presentes que ganhei em um show próximo do meu aniversário. As pessoas iam deixando as flores e bilhetes no palco durante o show, mas só vi na última música! Foi a coisa mais linda do mundo!

 Em Canto, com as queridas Flávia Ellen e Izabela Linke, acompanhadas por Elton Brandi, Maná Morais, Léo Lana, Daniel Brandi e Clayton Neri.

Com Érika Perillo e Leandro Rangel, duas pessoas queridas que já me ajudaram muito. 🙂

Com o pianista Wâner Nogueira, que já abrilhantou muitas músicas com seus arranjos.

Com a flautista Marina Mafra, que além de tocar em alguns shows gravou as faixas 1, 4 e 10 do disco.

Com Fabiano Melo, saxofonista e companheiro de Minas Voluntários (ONG que participamos); e Daniel.

P.S.: Se quiser acompanhar meu trabalho é só apertar o joinha! 🙂

 

E depois de muito tempo, nasceram. Gravei um CD! :)

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Certo dia olhei o violão da minha irmã esquecido num canto e pensei: “bem que eu podia…”. Comecei a fuçar, conhecer o som das cordas, bem que tentei fazer um acorde, mas parecia impossível. Imprimi uma cifra e copiei o desenho, colocando os dedos desajeitados nos “quadradinhos” indicados. Passar de dó pra sol levou um tempo. Minha mãe passava no corredor e dizia “nossa, não tem música nenhuma aí!”, mas aquilo me divertia. Depois de conseguir fazer os acordes básicos e passar de um para o outro, comecei a miar enquanto tocava. Aos poucos fui me soltando, cantando mais alto, aprendendo músicas novas. Minha mãe já gostava de ouvir e insistia para que eu cantasse para os outros. Não gostava muito disso porque minha relação com a música era (e é) bem particular, íntima, pessoal e todos os sinônimos que se possa encontrar.

 

Comecei a compor com cerca de 16 anos. Uma música aqui, outra ali. Mas o caderno escrito a lápis começou a se encher alguns anos depois. Com o tempo vêm novas experiências e ideias, por vezes fortes demais, mesmo em sua simplicidade, para ficarem retidas. As pessoas têm formas diferentes de se expressar e a arte é uma das mais usadas. Não tenho pretensão alguma com relação às minhas músicas. Não as fiz querendo que fossem belas, que agradassem aos outros, que fizessem sucesso ou me deixassem rica. Às vezes algumas pessoas me questionam porque não penso em viver de música (muito gentis, pois esse é um elogio e tanto, já que consideram essa hipótese). Respondo que a música é tão importante pra mim, tão sagrada, que não quero transformá-la em preocupação, em sustento. Estudei Relações Internacionais e Direito Internacional. É uma área difícil, eu sei, mas ainda penso em seguir em frente. O melhor disso tudo é que a música é uma ferramenta perfeitamente utilizável no que eu quero fazer. Apesar do incentivo de amigos e da família, não quis gravar até eu mesma sentir que deveria. E quis porque as ideias surgiam, tocava instrumentos mentalmente, as melodias iam aparecendo e a brincadeira no computador não era mais suficiente. Queria que nascessem, de fato. Queria vê-las existindo por si só, não apenas quando sentava na cama tarde da noite e as cantava com voz baixa para não acordar a família (e os vizinhos), como que ninando a mim mesma.

Leopoldo Bretz: backing vocals

 

 Comecei a procurar por estúdios; liguei, visitei… Tudo tinha que ser muito bem pesquisado para que houvesse economia. No fim das contas acabei gravando num lugar muito, muito mellhor do que eu imaginava. Com o apoio do Ronaldo Gino fiz tudo no Serrassônica. Quantas pessoas gentis num só lugar. O trabalho do Fernando Braga, antes técnico e agora amigo, foi também fundamental para a gravação. E haja paciência comigo, afinal nunca fiz nada parecido na vida. Os dias de gravação e mixagem só me trouxeram diversão e aprendizado. Agora é só finalizar e depois aguardar chegar da fábrica.

Madruga Bretz: backing vocals 2

São músicas simples e sinceras. Na verdade eu queria ser dona de um estúdio e saber tocar uns 10 intrumentos. Assim poderia brincar com elas, experimentar, viajar… Bom, no fim das contas fiz um pouco isso, mas só na cabeça. Um detalhe que eu esqueci de mencionar é que eu só descobri de fato como elas eram quando foram gravadas. Loucura, eu sei. Não teve pré-produção. Fiz os arranjos (na verdade a maior parte deles, algumas coisas foram feitas por outras pessoas). Outra loucura, convenhamos. Lembro dos dias em que o Douglas vinha em casa para ensaiar, mas na verdade a maioria do tempo consistia na minha pessoa cantarolando e tocando frases na escaleta para que ele transformasse em partitura, que ele mesmo leria enquanto tocava violoncelo. Lembro direitinho do primeiro dia, quando ele escreveu a partitura do que eu escrevi para “Saudade” e tocamos juntos pela primeira vez. Comecei a rir (literalmente) daquilo, tinha saído da minha cabeça e ganhado vida. Também me lembro da sensação que tive quando, depois de alguns takes, o Túlio executou a bateria do finalzinho de “Come Along” do jeitiiiiinho que eu pensava, expressando o que eu queria expressar. Cada linha que o Pro-Tools ganhava era uma parte das ideias chegando ao mundo. Nem sempre como eu imaginava, claro. Tivemos alguns probleminhas, nem tudo funcionou. Também pudera! Já acho um milagre ter saído o que saiu. Só possível com a boa vontade de muita gente. 

Não sei, só sei que foi assim.  Estou feliz com o resultado. 🙂

Túlio Maktvh: batucações e bateria

Mentiria se eu dissesse que não quero vender. As coisas custam dinheiros ($$$), não é fácil não. Mas que fique claro que não é o propósito central disso tudo. Além disso, é legal ver uma música que você fez chegar em lugares que você nunca imaginou (mesmo porque tenho amigos em vários lugares). Aproveito para dizer que não espero causar em ninguém o que eu senti quando ouvi “Lover you should’ve come over” do Jeff Buckley pela primeira vez, assim, passando direto por mim, sem necessidade de uma segunda audição para digestão; absorvida, sentida em cada nota. Não espero causar em ninguém tudo o que eu ja senti enquanto ouvia Damien Rice. Não teria tamanha ousadia. Não espero despertar o que me despertam The Swell Season, Nick Drake, CSNY, Lisa Hannigan e tantos outros que têm me acompanhado. Nunca me chamei de “cantora”. Fiz esse disco pra mim. Mas se alguém se sentir conectado com alguma delas, vou ficar feliz e honrada. Quer dizer que nossas almas já passearam pelos mesmos lados.

 

Inini ndinokuda, Moçambique!

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Eu disse “em breve”? O que é isso que a vida faz conosco? Eu simplesmente não consigo acreditar que já faz um mês que cheguei em casa.

Bom, nem sei o que dizer. Esse tempo em Moçambique foi realmente um divisor de águas na minha vida. Eu já me considerava uma pessoa simples, mas creio que evoluí muito nesse quesito. Não precisamos de tantas roupas, não precisamos fazer tanta frescura com o que tem pra comer em casa. A rotina diária nos destrói. Trabalhar, chegar em casa, descansar, trabalhar, chegar em casa… Há TANTO pra ver, ouvir, cheirar, aprender. Tanto que me dá agonia em saber que uma vida inteira não é suficiente para conhecer tudo que esse mundo oferece. Sendo assim, a solução é tentar aquietar o coração e fazer o possível dentro das nossas possibilidades, além de tentar sempre expandi-las.

Eu não tinha dinheiro para ir pra Moçambique, assim “do nada”. Trabalhei de algumas formas, com a ajuda do UNI-BH fiz um show no Teatro Ney Soares e lá arrecadei muito do que precisava. Eu não tinha 3.500 lápis para levar. Amigos e amigos de amigos foram os responsáveis por tudo isso. Recebi e-mails e mensagens de gente que não sei de onde surgiu, querendo doar. O ser humano tem uma capacidade absurdamente gigantesca de provocar mudança.

Eu acredito que todos os dias temos duas opções ao acordar: reclamar da vida ou sorrir e fazer daquele um dia especial. É como o lema do AA, “só por hoje”. Dar valor às coisas belas e simples da vida. Podemos escolher ser falsos ou verdadeiros, egoístas ou altruístas. Podemos escolher fazer alguém se sentir especial ou ignorar a todos, pensando nos nossos próprios problemas. E que problemas? Tempestade em copo d’água é o que não falta. Depois de ver tantas crianças com responsabilidade de gente grande, trabalhando de pé descalço, fazendo comida, carregando coisas pesadas, bebês no colo e andando distâncias intermináveis, acho que não vou mais reclamar de ter preguiça de levar o lixo pra rua.

Aos que leram todos os posts, vocês podem ter pensado: nossa, mas quanta alegria e diversão! Mas vi muitas coisas tristes, também. Mas isso é o que todo mundo fala, é o estereótipo da África e NÃO era o que eu queria transmitir. Temos que adotar a cultura da paz. Isso não significa ignorar as coisas ruins, mas dar mais atenção às boas. Os jornais (tv, rádio, impresso, tudo) pingam sangue, se torcermos igual roupa. Tem muita coisa linda acontecendo.Vi tanta, tanta, tanta beleza naquele lugar. Belezas naturais, sorrisos iluminados, música, dança, palmas, brincadeiras, gargalhadas… Senti tanto amor naqueles dias. Isso é o que ficou. Claro que nasceu em mim uma vontade ainda maior de ajudar e tentar contribuir para que esses problemas tão tristes sejam vencidos. Mas o que criou raiz foi a gratidão pela oportunidade de conhecer essas pessoas tão lindas, com uma cultura riquíssima e inspiradora. Gratidão por terem feito de mim uma pessoa um pouco melhor.

Depois dessa viagem quero me esforçar ainda mais pra conhecer coisas novas. É lindo e vicia. Pode ser os bairros de BH, as cidades de Minas, os Estados do Brasil, a América Latina, o mundo, Marte. Mas quero o contato próximo, quero aprender com eles. As conversas com os moçambicanos foram os momentos mais especiais. Num dos vilarejos, ensinando as mochilas, duas mães conversavam com as crianças do outro lado. Falavam em dialeto e eu não entendia nadinha. Comecei a brincar, dizendo que estavam falando mal de mim. Riram e comecei a perguntar várias palavras e expressões pra eles, numa conversa gostosa de fim de tarde. Eu as repetia bem alto, fazendo graça. Alguns que estavam mais longe começaram a rir também. Senti-me importante, fazendo-os rir do meu sotaque ao falar sua língua. Ou era da situação em si que riam, não sei ao certo. Sei que por causa daquele dia agora posso dizer: inini nokuda (eu te amo), Moçambique!

As outras palavras vão conhecer quando virarem canção.

 

Namíbia. Último pedacinho da África que vi.

 

 

A cada dia uma inspiração

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(Ficamos sem internet lá por dias. Mas antes tarde do que nunca!)

Outro dia, no orfanato, conheci outra Júlia. Essa devia ter uns 3, 4 anos. Lembrei de um dia em que alguém contou que tinha brincado muito com ela, mas nada a fazia sorrir. Deu um leve sorriso na hora de ir embora, apenas. Fiquei com ela no colo, deitei sua coluninha nas minhas pernas, de modo que olhava para mim, com o céu ao fundo. Tentei conversar mas nada respondia, só olhava. Perguntei a uma das mulheres se ela falava. Disse que sim, mas nem sempre. Descobri também que era HIV positivo. Depois de muito tempo, após um barulho no céu, ouvi quase um sussuro dizendo “avião”. Oh! Pensei: e nao é que ela fala? Posteriormente falou uma coisa ou outra. Fiz cócegas em sua barriguinha e consegui alguns sorrisos. Fiquei muito honrada com seu comportamento receptivo. Na hora de ir embora, fui colocá-la no chão, pois nessa hora estava em pé com ela no colo. Quando suas meinhas tocaram o chão, imediatamente abriu a boca a chorar. Assustei com a reação, a peguei de volta e abracei apertadinho, como minha mãe faz com crianças. Não parou de chorar, mas tive que entregá-la e fui embora. E essa foi a primeira vez que chorei, desde que cheguei. Conquistar o coração de alguém “difícil” tem um gostinho especial. Fiquei feliz por ter se sentido bem comigo. Triste, entretanto, porque não podia fazer mais nada por ela. Uma menininha muito doce, de trços delicados, que perdeu a mãe. Mas tem um pai que a ama. Está ali para se tratar, como a irmãzinha Telma – que também tem tuberculose -, e seu pai não tem condições de cuidar de sua saúde. Disseram que quando estiver maior, mais forte, vai voltar pra casa.

 

Fomos a um orfanato chamado Kedesh.

 Assim que chegamos vi um grupo de crianças e jovens jogando vôlei. Com eles, um homem de barbas longas e brancas, óculos e pés no chão, além de um sorriso estampado no rosto. Simpatizei em segundos. Ao fundo, outros jogavam futebol num campo.

Parecia um sítio. Construções simples, cães, galinnha e pintinhos.

  

Em uma das construções, no segundo andar, uma caixa de som entoava todo o CD do The Cramberries.

Senti extremamente confortável ali. Gostava do ambiente, das cores, do som composto por música, bichos, risos, conversas. Os meninos tinham semblantes felizes, gostavam do lugar. Fomos lá outro dia a tarde para um churrasco. Achei um charme, cada menino escolheu a carne que queria, havia uma lista! As caixas do segundo andar sempre com boas músicas. O céu estava fabuloso. Não há muita luz no lugar, o que deixava as estrelas mais evidentes. Deitei sozinha no centro do campo de futebol e observei por alguns minutos. Pensei em várias coisas e pessoas, balbuciei algumas de minhas músicas preferidas. Ajudei a montar hambúrgueres para os meninos e depois fomos todos convocados a subir para uma sala. Os garotos haviam preprado algumas apresentações para nós. Foi um show, uma verdadeira festa! As meninas e eu dançamos e eles vieram dançar conosco. A propósito, aqui parece “Caminho das Índias” ou meus tempos áureos de R.I: tudo acaba em dancinha. Os meninos se apresentaram em duplas. Teve dança, capoeira, violão… Tem um passinho clássico que vi em vários lugares, inclusive naqueles povoados que visitamos. Gravei vários vídeos, em breve vou editá-los e postar.

Outro dia fomos em um dessas vilas, bem longe, e lá ouvia uma música alta. Achei estranho. Descobri que tem uma espécie de cinema lá, uma casa bem simples de bambu e palha, dentro um projetor. Mas essa hora tocava música eletrônica. Vê se pode? Quase uma trance. Nesse dia almoçamos na rua, literalmente.

 

Brandon aproveitou para tirar um cochilo.

Outro lugar que me marcou foi um outro orfanato, esse em Nhamatanda. Aos chegarmos fomos levados para uma sala e havia uma fila de cadeiras atrás de duas mesas juntas, para nós. As duas com toalhas e um vasinho de flores em tons de rosa, em cada canto. Do lado oposto, dois blocos com filas de bancos. Do lado direito, as meninas, do lado esquerdo, os meninos. Cantaram para nós e fiquei i.m.p.r.e.s.s.i.o.n.a.d.a com as músicas. Cantavam em vozes, harmonias, belas canções africanas, algumas religiosas. Ensinamos a costurar as mochilas e foi ótimo! Meu grupo tinha meninos muito simpáticos e educados. Pretavam atenção nas instruções e executavam muito bem.

Na hora do almoço preparamos pães com manteiga de amendoim e geléia para eles. Além disso, haviam preparado feijão e massa. É literalmente uma massa, feita de farinha de trigo e água. Fazem bolinhas com as mãos e molham no feijão. Após o almoço, nos levaram a um mercado na rua comprar chinelos com bandeirinhas de Moçambique. Vimos nos pés deles e quisemos também. Na volta brincaram que eram nossos namorados e quiseram tirar foto. nos colocamos em duplinhas, segundo a brincadeira, e o que estava do meu lado pegou minha mãe e entrelaçõu os dedos. Há! Engraçadinho. Tem uma foto para provar. Quando eu descobrir quem tirou, coloco aqui. Já no fim do nosso tempo ali fomos levados de volta à sala. Sem luz elétrica, a luz de fim de tarde que estrava pelas duas janelas e porta era o que iluminava o ambiente. Cantaram novamente e a maioria de nós se emocionou. Lindo. Se tratava de uma instituição com orientação protestante e o diretor, um senhor com terno azul, pediu que dois meni

nos e duas meninas compartilhassem seus sentimentos sobre Deus, sobre sua vida no orfanato e sobre nossa presença ali. Um belo momento. Depois, Sr. Domingos pediu que alguns de nós falássemos a eles. Mal consegui começar, já falava engasgado, com lágrimas nos olhos. Falei que eram meninas e meninos lindos e inteligentes. Disse que o que eu mais queria deixar como mensagem era que NUNCA deveriam aceitar que alguém lhes dissesse que não eram capazes de realizar algo. Que eram capazes de muito, se estabelecessem metas e trabalhassem duro para conseguir. Um dos garotos, mais cedo, havia me perguntado o que era preciso para fazer faculdade no Brasil, seu sonho. Fiquei grata por ter tido a oportunidade de estudar, pela minha casa e família.

Em breve, as considerações finais.

 
 

Lua e Sol, dois insanos

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Fomos visitar um outro orfanato e quando chegamos descobrimos que tinha sido fechado por problemas na construcao. As criancas da vizinhanca estavam la e brincamos com elas. Eu e Drake, um dos voluntaios, fizemos avioes de papel com duas criancas e fizemos um campeonato com dois pontos a serem analisados: beleza e potencia. Ganhei o de beleza da aeronave mas perdi todas as competicoes de voo. A vida e assim, a gente ganha em umas coisas, perde em outras. Passaram esmalte rosa nas meninas, muitas criancas ficaram colorindo desenhos, algumas enfeitaram o cabelo… Foi uma tarde muito agradavel.

A noite fomos jantar na praia e convidamos alguns mocambicanos. Chegamos por volta das 18h e estava muito muito escuro. Eu ouvia o barulho do mar, mas nao conseguia ve-lo direito. O ceu estava absurdamente maravilhoso, como ceu de roca, em Minas. Incontaveis estrelas. Nos acomodamos embaixo de uma arvore e comecaram a fazer a fogueira. Depois de acesa, sim, eu conseguia ver melhor as pessoas. Brandon, um dos voluntarios, e excelente fotografo e sabe muitas coisas interessantes sobre fotografia. Levamos aquelas pulseiras neon de festa pra la, e tem uma forma de “escrever” coisas com elas no ar. Escrevi a letra do meu nome. Infelizmente nao tenho as fotos comigo. Ja vi isso antes, mas nunca tinha feito. Divertidissimo!!!!


Enquanto brincavamos de fazer essas fotos alguem disse “olha la atras!”. Quando eu virei, nao consegui entender. Era metade de um circulo, laranja. Muito laranja. Alguem disse “e a Lua!”. Imediatamente disse que nao podia ser.

Nao tinha como. Era impressionante. Grande. Enorme. Flamejante. De repente a beiradinha comecou a crescer, subir. Foi levantando e ficamos CHOCADOS com o tamanho e a beleza. Nunca vi nada assim antes, so digitando “moon” no google. Fiquei congelada naquilo e nao conseguia olhar para nada mais. Nem sei colocar em palavras. O ceu sempre me encantou muito e isso foi como um presente. Queria que cameras fossem capazes de captar da forma como o olho humano ve. Aquela Lua me encheu de uma forma que nao consigo descrever.

Conheci duas mocambicanas muito simpaticas. Margarida e Amanda. Conversamos bastante. Elas sao encantadas pelo Brasil! Disseram que assistem muitos programas brasileiros na TV, adoram a comida, a musica… Falaram de artistas e lugares. Fiquei surpresa quando disse a minha cidade e disseram que sabiam qual era, dando, em seguida, exemplos envolvendo a cidade. Colocamos os pacotinhos de aluminio com o jantar na fogueira e conversamos enquanto ficava pronto. Margarida me disse que Amanda tinha um problema de saude e achava que se pudesse ir ao Brasil um dia, seria principalmente pela medicina muito muito, muito, muito, extremamente avancada, nas palavras dela.
Foi uma noite linda!
Passamos em frente ao Grande Hotel. Impressionante. Um predio esplendido, totalmente abandonado e invadido. As pessoas vivem em condicoes muito precarias. Muito triste.
Mas como diz nossa querida Miss Top Therm, vamos falar de coisa boa?
Voltamos ao mesmo lugar onde fizemos a fogueira no sabado a noite, mas dessa vez deu pra ver tudo. Ha um grande navio encalhado. Tiramos muitas fotos la!

Segunda (hoje) fomos a um lugar ma-ra-vi-lho-so! Descobri que segunda e o dia da diversao! Nos merecemos! Andamos um tempo grande por uma estradinha de terra, reta, com dois campos enormes, um de cada lado. E impressionante como tem espacos abertos aqui. Era um caminho muito bonito. Chegamos no lugar -no meio do nada-, pegamos um barco e atravessamos ate o outro lado. E um restaurante com pousada, parece. Bem grandinho. O inverno daqui parece de mentira.

O sol bem brilhante em meio ao azul. Nenhum algodaozinho no ceu. Estava bem vazio. Na praia, so o nosso grupo e um grupo de uns 5 turistas um pouco longe. Tiramos muitas fotos, caminhamos na praia… A parte da areia era bem grande, mas quase metade era areia retinha e molhada. Acho que a mare sobe bastante a noite.

(Jumping picture do Madruga! Brilhei!)

 

Colocamos lencois na areia e os prendemos com pedacos de madeira nas pontas, como estacas em barracas. Essa foi uma parte deliciosa do  dia! Tiramos uma soneca… Hummmm! Praia linda e vazia, pessoas simpaticas, uma combinacao perfeita de sol e brisa, nao estava quente nem frio. So sei que fui sendo levada ate dormir. Muito aconhegante. Quando acordei, nao sei quanto tempo depois, ate assustei que estava ali. Uma paz de espirito sem igual.

Ficamos mais um pouco e fomos embora. Na hora de ir, mais um show. O ceu numa cor linda, um barquinho se aproximando… Cena de pintura.

Como se pode perceber, Lua e Sol, aqui, sao dois insanos.

 

Amanha, trabalho e trabalho. As coisas estao otimas. Queria pessoas queridas aqui para dividir comigo, especialmente Dani, Penha, Leopoldo e Toto! 🙂

 

Julia, vila dancante, praia, trabalho…

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Fomos a um orfanato. Fica num belo, antigo  e coloridio casarao na praia. Muros verdes com desenhos que tinham dizeres assim:

 

 Fiquei impressionada com a beleza e qualidade da construcao, em comparacao com o padrao visto por mim ate entao. Paredes bem pintadas, algumas com figuras com temas infantis. Uma escada de madeira levava ao andar dos bebes. Ao entrarmos, criancas de 3, 4 anos correram sorrindo e dizendo “Tia! Tia!”. Abracavam-nos apertado nas pernas, nao desperdicando nenhum segundo da atencao que tanto ansiavam. Alguns ficaram embaixo para brincar com eles. Subi com Mariah, uma das voluntarias, para ver os bebes. Havia um corredor com alguns quartos grandes, com bercos. Fui ate uma sala, tambem grande, com varias mesinhas e uma cozinha ao fundo. Fui apenas para conhecer, mas imediatamente um bebe me foi entregue para alimentar. Peguei a papinha, o bebe embrulhadinho num cobertor e comecei. Acho que a calca dele estava preenchida, se e que me entendem. A questao e, havia um cheio com o qual nao sei lidar. Minha quierida irma sabe disso. Nao e frescura, e biologico. Pensava: controle-se, Isabella. Comecei a colocar a colherzinha de plastico na boca daquela crianca, pensando que eu era tudo o que ela tiha naquele momento e que precisava da comida. Quase que como intervencao divina, parei de sentir o cheiro e so o momento recebia atencao. Ao terminar, levei-o ate a janela e vimos o mar por alguns minutos. Coloquei-o de volta no berco, era hora de ir.
Depois dali fomos ajudar numa aula de ingles. Caca um ficou responsavel por dois alunos. Falamos sobre escola, tempo livre, comida, musica (um deles disse que gosta de Restart e Luan Santana; nem tudo sao flores) Mocambique, Brasil, relacionamentos (first kiss, haha) e outras coisas. Foi bem divertido.
 No outro dia voltamos ao orfanato. Descobri que vamos la todos os dias. Fomos recebidos da mesma forma calorosa. Fui ao quarto e peguei um bebe bem pequenininho. So depois descobri que era uma menina chamada Julia. Tao pequenina que eu tinha medo de segurar. Comecei a lhe dar comida, mas era dificil pois nao abria a boca. Fazia um biquinho e sugava. Era tudo o que conseguia, enquanto olhava pra mim com aqueles grandes olhos negros. Claro, tinha apenas 9 meses. Queria, na verdade, leite. Queria se alimentar no corpo da mae. Infelizmente, nao podia, tiha que se fortalecer com aquela papinha. Ela nao tem culpa. E tambem nao tinha culpa da minha falta de jeito. Aos poucos fomos nos entendendo melhor. Naqueles minutos que passei com ela pensei em varias coisas. Orfanatos existem em qualquer lugar. Pensei em quantas criancas crescem sem o apoio material e emocional de uma familia. Pensei que algumas nem em orfanatos estao. Apesar das poucas mulheres que trabalham e de outras dificuldades, ai pelo menos havia comida, roupas, brinquedos, seguranca. Pensei, principalmente, nela. O que sera da Julia daqui ha alguns anos? Ela sera? Muitos dos bebes e criancas desse orfanato sao HIV positivo, nunca se sabe… No final das contas consegui administrar o processo alimenticio e a danadinha comeu quase toda a tigela. Parti.
Pela tarde fomos a uma vila construir bancos de madeira. Cheguei e me encantei imediatamente com uma cena: embaixo de uma arvore, mulheres com seus cadernos no colo estavam sentadas no chao , na frente de um quadro negro. Duas classes, uma do lado da outra, portugues e matematica. Olhavam atentas para o quadro e registravam em seus cadernos. Do lado esquerdo, repetiam em coro “5×5, 5×6, 5×7…”. Uma graca!
 
 Chamamos alguns meninos para ajudar a construir os bancos e fiquei impressionada com a habilidade.
 

 Comecou a chover fininho… Que delicia! E o trabalho nao parava. As estudantes foram para uma area coberta. As criancas continuavam brincando na chuva com a Meredith, uma das voluntarias. Fiz algumas brincadeiras para tirar foto e as criancas adoraram. Cameras fotograficas realmente despertam toda sua curiosidade.

Na hora de ir embora, comecaram a cantar uma musica local bem alto, batendo palmas. Dancaram e dancamos junto. Um dos momentos mais marcantes ate agora.

 Quinta almocamos na praia. Tiramos muitas fotos e foi uma delicia.
 

Depois da praia fomos para uma vila ensinar a costurar mochilas. Minha aprendiz foi extremamente atenta e cuidadosa. De tempos em tempos paravamos para que amamentasse seus pequenos gemeos, ou para que prendesse um ou outro nas costas de seus filhos mais velhos. Muitas, mas muitas criancas mesmo carregam bebes nas costas. Alem disso, a atencao que dao para os irmaos e impressionante. Realmente se preocupam com eles.



Brincamos tanto com as criancas.. Foi, provavelmente, mais divertido que na vila dancante. Levei uma corda para pularem, achando que seria novidade. Quao grande foi a minha surpresa ao ver que eles tem toda uma cultura de pular corda. Bonito de ver. Fiz varios videos, de quase todas essas coisas que conto. Mas a internet aqui e lenta e oscilante, nao da para fazer o upload. Tambem dancamos muito, brincamos de correr, entre outras coisas.

  Esses dias tao produtivos me fazem pensar quanto tempo eu ja perdi na vida.

Africa, aqui estou!

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“Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo…
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura…”

Fernando Pessoa

Resolvi criar esse blog para compartilhar as coisas que vejo, sinto, ouco… (Nao, nao tenho cedilha nem acentos nesse computador). Assim, comeco por essa experiencia maravilhosa que se inicia, em Mocambique.

Apos muitos problemas e horas de viagem, cheguei. Beira e linda vista la do ceu. Cheguei e meus companheiros de viagem estavam me esperando do aeroporto. Nao tenho palavras para expressar a alegria incalculavel que senti ao ver minhas duas malas deitadinhas na esteira, esperando pelo resgate. Fiquei dias pensando em taticas para que chegassem no dia certo e com todo o material que consegui, com ajuda de queridos amigos. 

A preocupacao foi porque aqui e comum as malas chegarem com dias de atraso, por vezes violadas. Mas tudo deu certo. O grupo almocou no aeroporto. Enquanto fui no andar debaixo tirar dinheiro no caixa, vi dois garotinhos roubarem um pote de balas de uma das lojas. Assim comecou. Chegamos na casa em que estamos instalados e deixei as coisas. Fomos a pe para um mercado aqui perto. Andamos por ruelas, sempre de terra. Fomos entrando, entrando… Atravessamos uma linha de trem tomada por arbustos e la uma cena curiosa: um garotinho de uns 4 anos com as calcas abaixadas, fazendo xixi. Olhou para nos, subiu as calcas e saiu correndo, seguindo a linha. Chegamos no mercado e era absurdamente diferente de tudo que ja vi na vida. Era como um bairro fechado, uma vila, com casas muito pobres, barracas e lonas estendidas no chao com mercadorias. Um grande numero de criancas, muitas vezes as maiores sendo as responsaveis pelo comercio. Vendia de tudo: roupas, calcados, artigos de higiene, bebidas, frutas, legumes, entre outros. Muitas capulanas, tecidos coloridos que as mulheres enrolam e prendem na cintura, usando como saias. As pessoas sao bem pobres, usam roupas muito simples, por vezes rasgadas e sujas, especialmente as criancas. Mas o que mais me chamou atencao foi o tipo de atencao que nos davam. Nao havia uma pessoa que nao olhasse quando passavamos. Era um olhar diferente, que nao sei explicar. Mulheres sentadas na porta sorriam e diziam “Boa tarde!”, num portugues incomum aos meus ouvidos. Olhavam como se fossemos de outro planeta, como salvadores ou sei la. So sei que nao me senti confortavel de nenhuma forma. Quando acenavamos para as criancas, abriam um grande sorriso e acenavam de volta, como se tivessem sido agraciadas com algum premio. As vezes pessoas se aproximavam so para nos olhar. Nao gostei daquilo, so queria ir embora dali ou simplesmente poder andar e observar sem ser percebida. Acho que o problema era estarmos em um grupo relativamente grande, de umas 10 pessoas. Nao quis tirar nenhuma foto la pois achei desrespeitoso.

Pela noite fomos jantar na casa de uma conhecida de um dos integrantes do grupo. Era uma familia de classe media. Uma mesa bem bonita e bem posta, uma comida deliciosa. Bacalhau, arroz com couve, arroz de coco, feijoada, salpicao de frango e legumes. Senti em Minas!

Domingo fomos para o Parque Gorongosa. A viagem de 4 horas passou rapido, havia muito o que ver pelas janelas. Muitas pessoas moram no meio do nada, em casas extremamente humildes, feitas de bambu e palha. Pequenas cabanas com varais na frente. Fiquei impressionada com a quantidade de andarilhos. De tempos em tempos apareciam pessoas que nao se podia imaginar de onde partiram e para onde iam, tamanha distancia entre provaveis moradias. Muitas mulheres carregando bebes enrolados em seus corpos em belos tecidos gastos. Criancas e jovens tambem carregavam. Vi varias mulheres carregando coisas na cabeca e bebes, ao mesmo tempo. Uma carregava uma enxada apoiada na cabeca com a mao direita e na mao esquerda trazia seu filho.

Chegamos em Gorongosa e ai vem a parte alegre. Como o tempo estava fechado, nao pudemos fazer o trajeto para ver o por-do-sol que queriamos. Assim, aqueles que quiseram – nao preciso dizer que isso incluia a minha pessoa – resolveram ir em um Safari. Nossos planos eram de ir apenas na segunda pela manha. Fomos e foi espetacular! Nunca imaginei fazer algo do tipo na vida. Era realmente incrivel. Animais passavam pertissimo de nos. Estavamos ansiando por algo muito especial, como leos ou elefantes. Mas so viamos animais pequenos, entretanto, nao menos graciosos. De repente, um dos meus amigos quase gritou “aliiiiiiiiiiiiiiiiii!!!!” (nao gritar e uma das regras fundamentais em um Safari), e….

Como podem ver, era realmente “ali”. Nao tem como expressar o quao divertido foi. Parecia um filme. Alem do mais, a companhia era incrivel, pessoas divertidissimas. Durou tres horas e terminamos ja a noite. So se via o que os farois iluminavam e um belo ceu escuro. Jantamos no restaurante do Parque e fomos dormir. Ha tempos nao dormia tao cedo, mas as 5:30 da manha estariamos de pe para outro Safari. Assim fizemos e foi da mesma forma maravilhoso. Vimos muitos animais bonitos. Mas a parte que mais me tocou foi quando chegamos em um grande espaco aberto, um campo enorme, gigante. Realmente senti-me na Africa. Era lindo e trazia uma paz muito grande. Todos estavamos muito felizes por estarmos la. Senti gratidao pela vida, de forma geral.

                                 

Depois mostro as fotos do Safari. Na verdade um dos meus amigos tirou fotos maravilhosas. Vou esperar ate ter as dele.

Hoje fomos a uma vila, realmente uma vilazinha. Foi impressionante. Era bem rustica, as criancas ficaram encantadas com nossa presenca la. Brincavamos com elas e ficavam muito felizes. Adoravam fotos e exigiam ve-las depois de tiradas. Certas, claro! Nao queremos expor a imagem de alguem sem ter certeza de que esta bom! Voces, facebookers, deviam aprender com isso antes de “tag” a todos sem autorizacao. Construimos bancos. Foi uma tarde extremamente divertida. Obviamente, as condicoes eram deprimentes. Nao e nem uma questao de condicoes, porque simplesmente nao ha nenhuma. Mas no lugar de do ou pena, so conseguia sentir amor por eles. Estavamos tento uma tarde tao agradavel ao lado deles. Eramos iguais, ali. Todos seres humanos. 

Conto mais depois, time is over. Agora estamos em casa. Um cartaz branco esta pendurado na beliche, um projetor numa cadeira de plastico esta na frente. Atras dele um notebook ligado a tres caixinhas de som e assistimos Rei Leao. Ate mais…